domingo, 10 de julho de 2011

O corredor sem fim

Gritos e grunhidos perseguiam o grupo de sobreviventes pelos corredores escuros. Aqui e ali podiam-se ver cadáveres daqueles que sofreram um destino diferente, mas não por isso pior. O medo que incitava os sobreviventes a prosseguir era avassalador. Os que não tiveram a coragem suficiente, à muito que se tinham juntado às fileiras da horda que os perseguia.
- “Ouvem aquilo?” – Disse Henrik de repente, fazendo para o grupo.
De facto, algo enchia o ar. Um som grotesco de alguém a mastigar. Os sobreviventes olharam em volta assustados.
- “Olhem…” – Murmurou Velarya, apontando.
E lá estava. O corpo de mais um residente a ser devorado. O cenário era horripilante. Henrik ouviu alguém vomitar atrás dele. Sentia as entranhas às voltas, mas tinha que se controlar, estavam todos a olhar para ele. “Será que… Não! Iremos por outro corredor.”
- “Temos que procurar outro corredor antes que a horda nos apanhe.”
O grupo anuiu. E, voltando para trás, prosseguiram. Não tinham percorrido muito quando se depararam com uma bifurcação. Da esquerda vinha o horrível som da horda. As bestas avançavam a um ritmo alarmante, gritando num qualquer idioma desconhecido, aclamando por carne. No corredor da direita ouvia-se um choro. Esse era o caminho.
Os gritos eram cada vez mais fortes, indicando que se aproximavam, o que incitou o grupo a acelerar o passo. Após vários minutos a percorrer outro corredor escuro, repleto de cadáveres, ouviram de novo o choro. Desta vez mais próximo. Parecia o choro de uma criança. “Como poderá uma criança sobreviver neste ambiente?!”, pensou incrédulo. Ao fundo do corredor era possível discernir uma porta, pois uma ténue luz passava por baixo desta.
- “LUZ!” – Gritou uma sobrevivente, correndo na sua direcção.
- “Azona, não!”
Henrik esticou o braço, tentando agarrá-la, mas era demasiado tarde. Azona correu sem parar em direcção à porta, rindo. A sua atenção estava focada na porta, o que não lhe permitiu ver um vulto mover-se nas sombras. Mas este não escapou ao olhar de Henrik.
- “Cuidado! Ao teu lado, nas sombras!”
Mas era demasiado tarde. Azona desviou o olhar da porta e o seu sorriso esmoreceu. A criatura saltou sobre ela e começou a devorá-la. O som da carne a ser rasgada juntou-se aos gritos de Azona. O grupo, paralisado pelo medo, assistiu à cena. Foi então que um tiro ecoou pelo corredor. Os sobreviventes procuraram, confusos, a origem do disparo, até os seus olhos recaírem sobre a arma nas mãos de Derato.
- “E-Era a m-minha última b-bala… Estará m-morto?”
As atenções voltaram-se para o corpo de Azona, agora irreconhecível, e o demónio que pendia morto sobre ela. Sangue jorrava por múltiplas zonas do corpo, espalhando-se lentamente pelo chão.
- “Se antes não estavam cientes, agora têm a certeza onde nos encontramos. Apresse-mo-nos.”
Embora relutantes, os sobreviventes seguiram Henrik. Correram até à porta e abriram-na. Um clarão branco cegou-os. Quando se ambientaram à luz, viram que estavam dentro de uma pequena sala revestida a mármore. A origem da luz era desconhecida, mas chegava a todos os cantos.
- “Fechem a porta.” – Pediu uma voz doce de criança.
Velarya apressou-se a fechá-la. No centro da sala encontrava-se uma menina a olhá-los, com uns grandes olhos negros vazios. Ficaram ali vários minutos a avaliarem-se mutuamente, até que Henrik deu um passo em frente.
- “Quem és tu?” - Era uma pergunta simples, no entanto, o ambiente da sala alterou-se completamente. Os sobreviventes sentiram-se intimidados por aquele olhar.
- “Sou a réstia de esperança que vos encaminha contra o inimigo.”
Velarya desviou o olhar a fim de observar o resto da sala. Por detrás da criança, havia uma mesa e, sobre ela, armas. Essa era a reposta para a charada.
- “Armas.” – Disse, apontando para a mesa.
O grupo ignorou a rapariga e correu para a mesa. Havia espadas grandes, pequenas, punhais, pistolas, armas automáticas. Um pouco de tudo, à conta para os sobreviventes.
- “É esta a resposta?” – Perguntou Henrik enquanto se voltava para a rapariga. Mas ela tinha desaparecido. E com ela, a luz que enchia aquela sala. – “Depressa!” – Gritou após ouvir gritos no corredor.
Cada um pegou no que mais lhe agradava. Henrik empunhava uma espada, tão grande e pesada que era preciso o auxilio da mão esquerda. Velarya agarrava em duas pistolas, prontas a matar a mais feroz criatura.
- “Barriquem a porta!”
Empilharam mesas e cadeiras contra a porta, pois era o único mobiliário que se encontrava ali, e aguardaram a horda. Ouvia-se agora um raspar na porta. Estavam a tentar entrar.
- “Foi um prazer sobreviver ao vosso lado. Vamos purgar esta horda do mundo!” - A porta rebentou, lançado peças de mobiliário partido pelo ar. E com eles os demónios.
Henrik investiu contra os seus adversários cortando-os em pedaços com movimentos precisos. Velarya corria ao longo da parede do fundo, disparando sobre a frente da horda. As balas abriam buracos nos demónios, explodindo com as suas cabeças. Os gritos misturavam-se agora com o som das lâminas e disparos. Mas era uma luta desigual. Os sobreviventes estavam em minoria e depressa começaram a perder, à medida que os demónios avançavam incansavelmente. O sangue jorrava de ambos os lados, pintando as paredes. Um a um, foram caindo, despedaçados pelos seus adversários.
- “Henrik!”
Este olhou e viu um demónio saltar sobre Velarya, abrindo um buraco nas entranhas. O horror tomou conta dele. Esquecendo a batalha que travava, correu em direcção na sua direcção dilacerando o que a tentava devorar.
- “Henrik…” – Murmurou com um sorriso, olhando-o nos olhos. – “Conseguimos.”
- “Shh. Não fales. Poupa as energias.”
Ficaram a olhar um para o outro durante o que pareceu uma eternidade. Tudo o que Henrik queria dizer fugia da sua mente. O horror da morte de Velarya era demasiado.
- “Beija-me.” - Sussurrou Velarya.
Henrik pegou-lhe e sentiu as entranhas escorregarem pelo seu corpo. E beijou-a. O mundo parou durante aqueles segundos. Estavam sozinhos, num adeus profundo. Velarya contorceu-se num espasmo e ficou em silêncio para sempre. Lágrimas escorreram pela cara de Henrik. No seu olhar ardia um fogo de raiva e ódio. Levantando-se olhou em seu redor. Tanto amigos como inimigos jaziam mortos no chão, mas a batalha estava longe de acabar.
- “Velarya…” – Murmurou. – “Conseguimos.”

Sem comentários:

Enviar um comentário